São Tomé e Príncipe

O Norte de São Tomé e um passado desconfortável 

São Tomé era um sonho adiado. Um destino desconhecido para a maioria das pessoas, mas tão presente para os portugueses. As suas praias e paisagens fizeram certamente muitas capas de revistas e folhetos promocionais de agências de viagem. Esse estava longe de ser o São Tomé que eu queria conhecer.  

O tal sonho foi adiado até que a minha amiga Arminda, são-tomense, voltou a casa e se ofereceu para me acolher. Agora sim, era hora de abrir o site da TAP e tirar este arquipélago da lista de espera.  

Ao contrário do que é normal nas minhas viagens, pesquisei muito pouco sobre São Tomé. A falta de tempo aliada à certeza que tinha uma pessoa local para tomar conta de mim, fizeram-me partir para esta viagem sem quaisquer expectativas.  


Os meus anjinhos da guarda em São Tomé  

Depois de sete horas de voo – onde me deliciei a ver a Argélia do céu e a pensar numa próxima aventura até ao seu Sul Profundo – aterrei num aeroporto do tamanho de uma casa na Quinta da Marinha e, que para meu espanto, tinha Wi-Fi!  

Com o grande sorriso que sempre a caracterizou, a Arminda deu-me as boas-vindas e levou-me até à sua família que me esperava com um frango guisado na mesa. Senti-me em casa.  

No Norte e Centro de São Tomé escondem-se inúmeras cascatas, roças, praias e caminhadas. Sorte a minha, a Arminda conhecia a pessoa certa para me ajudar a descobrir todos esses lugares maravilhosos. A Catarina!  

A Catarina é cá das minhas. Empreendedora e aventureira, criou a sua própria agência de viagens em São Tomé, país a que agora chama de casa. Foi com a ajuda dela que consegui ver tudo e mais alguma coisa nos dias que passei em São Tomé e Príncipe. Podes encontrar todos os dados dela no fim deste post.  


Um jardim botânico em grande escala  

Esta é uma ilha fértil, onde tudo cresce. “A comida cai-lhes na cabeça”, disse-me a Catarina logo no primeiro dia. Assim que saímos do centro de São Tomé damos de caras com uma estrada, sim, só há uma estrada principal, onde parece que a qualquer momento podemos ser engolidas pela floresta. Árvores frondosas de um verde profundo dominam a paisagem.  

Antes de chegarmos ao nosso primeiro destino, passámos pela vila de Guadalupe. Em toda a ilha, a vida acontece na estrada. Há porcos e galinhas a passar. A falta de transportes públicos faz com que a maioria das pessoas se desloque a pé, de catana na cabeça ou na mão. Ao domingo estende-se a roupa à beira da estrada para secar mais rápido. Tudo se vende, tudo se troca na estrada. É impossível ficar-se aborrecido durante a viagem.  

Abastecidas de água, seguimos para a Roça Diogo Vaz.  


O verdadeiro preço do café e do cacau  

É impossível falar as roças de São Tomé sem falar do passado colonial e dos abusos à integriade e condição humana que ali se passaram. Uma história que teimamos em suavizar e relativizar de forma a evitar o desconforto de enfrentar uma realidade que no fundo todos sabemos ser verdade: não fomos os “bons” colonizadores. 

A beleza das roças, espalhadas por todo o arquipélago, pode mascarar as cicatrizes de dor e opressão infligidas àqueles que oficialmente eram os trabalhadores das roças, mas que na realidade eram escravos. Não me vou alongar muito sobre este assunto porque há outros que já o fizeram muito melhor do que eu, mas deixo aqui o link para um artigo do Público que ilustra a severidade das punições corporais, o terror psicológico e o sistema racista impenetrável que tornaram São Tomé, através da sua produção de cacau, na mais lucrativa colónia portuguesa no início do século XX. 

Em São Tomé, pareceu-me que o melhor lugar para aprender sobre a história do país, é a associação CACAU, que para além de servir uns belos almoços a um bom preço, também tem uma secção cultural e histórica muito interessante.  

De regresso ao cacau dos dias de hoje, este é plantado e processado recorrendo às mesmas técnicas de há cem anos atrás, mas sem sofrimento humano. Uma boa invenção, parece-me. 

Na Diogo Vaz, por 10€ podes fazer uma visita guiada, conhecer os diferentes estágios de crescimento do cacau e provar o fruto em si. Lá dentro, há uma goma branca que não é usada para fazer o chocolate, mas é muito saborosa. A semente, antes de seca, é completamente diferente do sabor do cacau que todos conhecemos. 

Ainda é possível visitar a fábrica, onde o cacau seca e é processado nas máquinas que ali estão há duzentos anos. No fim, ainda recebes um cafezinho e mais chocolate do que é possível comer. 


Túnel de Santa Catarina  

Cheias de chocolate, seguimos até ao ponto mais distante do dia, o famoso Túnel de Santa Catarina. Se tivesse sido escavado recentemente, diria que aquele túnel foi feito para o Instagram. Numa estrada de palmeiras com o mar ao lado, este túnel é o cenário perfeito para tirar fotografias!  


Mucumbli 

Quando começámos a viagem de regresso tive que fazer uma escolha. Ou íamos “à Santola” ou íamos ao Mucumbli. Apesar da minha alma ser mais tasca da santola, a descrição das vistas do Mucumbli seduziram-me e acho que foi a escolha certa. Estas cabaninhas de madeira e o seu restaurante têm uma das vistas mais bonitas e serenas da ilha. É simples: vê-se floresta e vê-se mar. E basta! A comida é decente, apesar de não ser barata (15/20€ por pessoa), mas vale a pena. Até podes passar para as espreguiçadeiras depois do almoço e descansar enquanto uma chuvada se abate sobre as palhotas. 


Lagoa Azul 

Nos intervalos da chuva, fomos até à Lagoa Azul que estava absolutamente vazia. Nadámos numa água choca até termos de nos abrigar do próximo aguaceiro. Mas a Lagoa Azul é bem mais bonita vista de cima do que de baixo, por isso agarra nuns ténis (confia em mim, de chinelos não vais fazer boa figura) e sobe até ao farol para a paisagem mais bonita do dia! 


Roça Agostinho Neto 

Esta foi a minha roça preferida. Não sei se pela luz incrível de pôr do sol (às quatro da tarde), pela beleza da sua arquitectura monumental, ou pelos sorrisos das miúdas espevitadas que viviam ali, só tenho boas memórias deste lugar.  

Algumas roças, como é o caso desta, são uma casa para a “comunidade”. Como aconteceu com muitas outras roças, a Roça Agostinho Neto, a maior de São Tomé, foi nacionalizada em 1975 e a partir dessa altura o governo permitiu que fossem habitadas pela população local. A parte menos boa deste arranjo é que as infraestruturas se vão degradando e ninguém as arranja.  

Se quiseres saber mais sobre vida passada e presente desta roça, lê este artigo.  

O dia de exploração do norte de São Tomé acabou no BBC, um bar e restaurante com uma vista linda sobre o pôr do sol na cidade. No dia seguinte, seguimos para sul! 


Dicas rápidas  

Museu do Mar e da Pesca Artesanal: Este museu estava fechado quando lá chegámos e penso que não está aberto todos os dias, mas se estiveres perto de Morro de Peixe podes sempre tentar passar por lá e ver se consegues visitar. Fala sobre a preservação da vida aquática em São Tomé, incluindo das suas tartarugas! 

Petisqueira Santola: A tal tasca que falhei, mas que fica como recomendação caso tenhas oportunidade. 

O Pirata: fui a este restaurante na minha última noite em São Tomé. Mesmo em cima do mar, podes contar com comida saborosa e um atendimento muito simpático. 

Viaja com Wodu: Como prometido, aqui fica o site e o Instagram da Catarina que organiza viagens em São Tomé. Toda a gente na ilha a conhece e a trata por “patroa” ou “mamã”.  

Alfacinha germinada e cultivada num cantinho à beira mar plantado, a Inês tem uma certa inquietação que não a deixa ficar muito tempo tempo no mesmo sítio. Fez Erasmus em Paris, trabalhou em Istambul e em Portugal, fez um mestrado em Creative Advertising em Milão e agora trabalha no Reino Unido. Viajar, criatividade, cozinhar, dançar e ler são algumas das suas paixões. A combinação de algumas delas deu origem a este blog, o Mudanças Constantes. Bem-vindos!

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