A beleza implica sacrifício e, neste caso, acordar antes das galinhas. Com os olhos semicerrados saímos das nossas tendas, directamente para os jipes que nos iam levar até ao sopé das dunas mais altas de Arher.
A partir daí era sempre a subir. Não sei se já alguma vez subiste dunas, mas é ingrato. A cada passo que se dá para cima, desce-se meio. Em cinco minutos os gémeos estão a arder e o coração a sair pela boca. Problema: ainda faltavam mais vinte minutos disto até chegar ao topo.
Seguimos lentamente, com as lanternas na cabeça a iluminarem-nos o caminho e, apesar de algumas paragens, chegámos antes da alvorada. A última duna é a mais inclinada e é feita praticamente de gatas. Tudo isto não interessa nada, claro. Do outro lado da duna está uma paisagem tão surreal que nem em filmes vi tal coisa.
A areia, branca como cal com ondas desenhadas pelo vento. O mar, azul-turquesa, impávido e sereno. E o céu, a clarear lentamente em tons que começam no roxo, passam pelo laranja e acabam no amarelo. Nalguns vídeos o único barulho que se ouve é o da nossa respiração.
Parece o cenário perfeito para um momento de silêncio e introspecção. Não no nosso grupo. Bastou recuperamos o fôlego que já tínhamos uns a pousar como a influencer russa para as fotos e outros a fazer de galos e galinhas. O nosso guia só se perguntava “que raio de pessoas é que eu juntei neste grupo”.
Quando o sol já ia alto e a bateria das nossas câmeras fraquejava, iniciou-se a descida. Descer dunas é uma alegria e descer dunas do tamanho de prédios é uma alegria ainda maior. Como a Ambra tinha medo de alturas, descemos de mãos dadas mais a Thich até ao fim.
Este é um lugar ao qual não me importaria de voltar mil vezes e razão mais que suficiente para ter feito com que esta viagem valesse a pena.
“I’m a fish, I like to swim”
Infelizmente estava na hora de dizer adeus a Arher e de nos encaminharmos para o lado oposto da ilha. Mas primeiro, tínhamos uma boa hora de snorkeling pela frente.
Máscaras e barbatanas postas, fomos explorar uma Socotra subaquática. Perto da costa vimos alguns corais e peixes de mil cores. Cardumes formavam-se à nossa volta. Mais à frente tivemos uma sorte de avistar duas tartarugas que nadavam calmamente.
Não creio que Socotra tenha a fauna aquática mais impressionante do mundo, mas principalmente para quem está habituado a águas europeias é um regalo para os olhos.
Nessa tarde a sesta foi feita à sombra de umas palhotas à beira-mar depois de um repasto de frango frito.
Agora sim, íamos para o Deserto Branco!
Intimidades em grupo
Tal como o nome indica, o deserto branco é composto por um mar de dunas brancas. Ao contrário das de Arher, estas são dunas baixinhas, mas prolongam-se por uma extensão tão grande que criam um mini deserto. Com camelos e tudo!
Fizemos um reconhecimento inicial com um passeio até ao pôr do sol e depois seguiram-se duas actividades de grupo que normalmente se fazem em privado. Encorajadas pela nossa ligação matinal na descida das dunas, eu, a Ambra e a Thich decidimos ir por esse deserto “adentro” para encontrar um sítio que nos servisse de casa de banho. Eventualmente cada uma tomou o seu caminho e depois de algum silêncio começou-se a ouvir “eu já estou”, “eu também!”.
Mais leves, voltámos ao acampamento para irmos buscar as tralhas para o banho. Este era o primeiro acampamento com um duche a sério. Até uma máscara hidratante íamos pôr! Não querendo esperar umas pelas outras e evitando desperdícios de água, lá nos metemos todas no mesmo cubículo. Nada melhor para fortalecer uma amizade que um duche a três!
Pela primeira vez desde que tínhamos chegado à ilha jantámos na presença de outros grupos. Nós, que achávamos que éramos o grupo mais bem-disposto de sempre, deparámo-nos com a triste realidade de não sermos o grupo que se ria mais alto… Com o ego ferido, passámos o jantar a fingir que nos riamos muito, em jeito de competição. Eventualmente aceitámos a derrota.
Com o estômago aconchegado com um maravilhoso borrego preparado pelo chefe Abdullah e o despertador programado para mais tarde que o habitual, retirámo-nos para as nossas tendas para uma noite tranquila.
Nascer do sol Americano e a dura realidade de viver numa ilha quase deserta
Depois de três dias a acordar cedo para ver o nascer do sol, já não conseguia imaginar os meus dias em Socotra sem esta parte da minha rotina. Neste dia só consegui arrastar mais um membro do grupo comigo, o Will, para ficar na palheta enquanto víamos o sol subir por entre as dunas.
Acampamento arrumado, seguimos por uma pequena floresta de palmeiras baixas até chegarmos ao início de umas enormes salinas onde só trabalham mulheres. Não sendo um lugar onde habitualmente se levam os turistas, os homens não pareciam ser particularmente bem vindos.
Depois de algum esforço, o nosso guia local conseguiu que uma senhora nos explicasse como apanhavam o sal. Acocoradas debaixo de um sol escaldante, estas mulheres passam o dia a apanhar cristais de sal à mão, usando uma folha de palmeira como vassoura para chegar aos mais longínquos.
Vivem numas pequenas barracas à beira da salinas com as suas famílias. A extensão das salinas é enorme e só possível de capturar com um drone. Não ficámos muito tempo, mas foi um dos lugares que mais gostei de visitar na ilha e foi um privilégio ter esta pequena janela para a vida local.
Grutas, mais desfiladeiros e a árvore perfeita
O quinto dia foi feito de paragens curtas até chegarmos ao último destino: a maior floresta de dragoeiros de Socotra. Visitámos uma gruta com morcegos e um desfiladeiro com vista para as maiores montanhas da ilha. A partir daí, os até então escassos dragoeiros, começaram a ser mais e mais frequentes.
Antes do almoço e da sesta rotineira, fizemos uma pequena caminhada até à árvore mais pitoresca de Socotra. Ali, o nosso guia Nic fez um referendo sobre se estaríamos felizes em trocar os confortos de ter uma casa de banho e duche nessa noite por ter o privilégio de dormir no meio da floresta de árvores sangue de dragão.
Seríamos o primeiro grupo dele a fazê-lo, é um desafio logístico levar os jipes da cozinha até lá. Nem pestanejámos, dissemos imediatamente que sim, e deixámo-lo negociar com a equipa dele a parte mais chata da coisa.
Almoçámos debaixo de um dragoeiro (claro) e aproveitámos a sombra e a brisa para passar pelas brasas. Acordámos com boas notícias, iríamos pernoitar num dos lugares mais especiais do mundo. Para não deixarmos de ter uma espécie de banho nesse dia, parámos num riacho com pouca força dentro de um desfiladeiro. Umas pequenas poças verdes serviram-nos de banheira onde chapinhámos enquanto tentávamos não ser comidos por mini caranguejos.
Lavadinhos (o mais possível), entrámos nos jipes e em breve percebemos por que é que não é normal dormir junto à floresta de dragoeiros. A estrada é traiçoeira, mas felizmente os nossos motoristas pareciam ter treino de rally e lá nos fizeram chegar em segurança. À nossa espera estava o chefe Abdullah a fritar uma massa de pão fresca feita só durante o Ramadão. Enquanto ele fritava, nós estendíamos a massa.
Dragoeiros até perder de vista e fogueiras noturnas
Pouco antes do pôr do sol começámos a dirigir-nos para um miradouro natural no meio da floresta de dragoeiros. Embrenhados naquelas árvores, foi no topo de umas rochas pouco confortáveis que passámos uma hora a contemplar a paisagem enquanto os poucos turistas que também se encontravam por ali iam desaparecendo.
O jantar foi um pouco mais parco que o normal por termos decidido dormir num dos lugares mais remotos da ilha, mas fomos compensados com uma ceia à volta da fogueira que reuniu viajantes e Socotris.
Fomos dormir cedo na esperança de acordarmos com o sol estrelado, mesmo sabendo que a lua estava quase cheia. Só descobriríamos pelas 4 da manhã!
Eu, as cabras e as árvores
O alarme apitou e como era previsto, estrelas nem vê-las! A lua, por sua vez, brilhava orgulhosa no céu e só começou a esmorecer quando veio a luz do sol.
A noite estrelada foi pelo cano abaixo, mas havia um amanhecer a olhar para árvores pré-históricas à minha espera. Neste dia não arranquei mais ninguém do saco-cama e como tal tive que refazer os passos do dia anterior até às rochas. Por obra e graça de espírito santo não tenho um mau sentido de orientação e lá dei com o miradouro do dia anterior, desta vez somente na companhia de uma ou outra cabra que por ali andava.
Deixem-me que vos diga que quem ficou a dormir perdeu um dos mais belos amanheceres de Socotra. E tenho provas!
No regresso ao acampamento, lembrei-me que tinha prometido uma aula de yoga aos meus queridos companheiros de viagem. Infelizmente só tive um participante que tinha tanto jeito como um rolo da massa!
Sem sabermos bem como, estávamos de volta ao jipe para uma viagem até ao nosso último acampamento da semana. O Sallah, o melhor condutor de todos, continuava a não se importar com a nossa música e danças pecadoras e lá fomos ao som das Spice Girls até chegarmos novamente à costa, desta vez no oeste de Socotra.
Pelo caminho ainda vimos uma creche de árvores Sangue de Dragão que estão em risco, porque as cabras adoram comê-las quando ainda são apenas pequenos arbustos. Não sei se este projecto vai ser muito bem sucedido uma vez que as cercas para as cabras não entrarem têm buracos (!), mas pode ser que eventualmente se arranje uma solução…
Devo dizer que não estava à espera daquilo que encontrámos em Detwah, a última paragem. Não sei se foi falta de pesquisa ou se simplesmente não há fotografias de Socotra suficientes na internet, mas ninguém me tinha dito que aquela era a morada do Paraíso.