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Moria: Um inferno onde as chamas não param de arder

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No verão de 2015 não havia telejornal que não abrisse com a crise de refugiados no mediterrâneo. Nesse ano 1 milhão de pessoas à procura de asilo entrou na Europa, tornando esta crise na maior alguma vez registada no nosso continente.

Mas, enquanto no início as pessoas que iam chegando conseguiam tratar das burocracias necessárias em poucos dias, com o número crescente de barcos e pessoas a aparecer, os tempos de espera aumentaram. Para anos.

O que significa que o campo de Moria, inicialmente concebido para alojar até 2000 refugiados, é hoje a “casa” de 8000 a 10 000 refugiados. Três anos depois, barcos continuam a chegar à ilha de Lesvos todos os dias, mesmo no inverno. Nestas condições, não se prevê uma solução num futuro breve (nem a longo prazo).

Decidi escrever este post em particular, não para partilhar a minha experiência em Lesvos, mas para partilhar o que aprendi sobre o dia-a-dia no campo de Moria e as razões pelas quais é urgente mais financiamento para o campo e intervenção política para pelo menos melhorar as condições de vida dos refugiados. Apesar de ser um tema esquecido pelos media, é um problema que está longe de ser resolvido.

A viagem até Lesvos

A grande maioria dos refugiados que conheci vinham de países longínquos. Afeganistão, Paquistão, Camarões ou Congo são alguns dos exemplos. Só para chegar à Europa, sabe-se lá o que passaram. Trazidos por contrabandistas, é-lhes vendida uma mentira. Vêm em busca do sonho: morar num país seguro, onde possam trabalhar, viver e talvez sustentar as suas famílias.

Viajam ilegalmente, enganados por aqueles que lhes garantem uma passagem segura para a Europa. Não sabem que vão ser postos num barco inseguro, com coletes salva-vidas falsos, para um destino incerto. Os que não aceitam embarcar são ameaçados ou mesmo mortos nas praias turcas. Afinal não são ninguém. Sem documentos, não existem.

Depois vem a parte mais perigosa de todo o percurso: a viagem de barco até à ilha. Os barcos levam o dobro da sua capacidades e para a grande maioria dos refugiados, esta é a primeira vez que estão a ver o mar. Existem histórias horripilantes sobre estas travessias.

Imagem: Wikipedia

E, para aqueles que efectivamente conseguem alcançar terra firme de novo, o sentimento é de celebração e felicidade. Claramente não sabem o que ainda está para vir.

O ambiente e condições no campo de Moria

Molhados, confusos e assoberbados está agora na altura de andar até Moria. Dependendo do lugar onde atracaram na ilha o percurso poderá demorar até dois dias. Algumas organizações e voluntários dedicam-se a ajudar neste trajecto, mas durante algum tempo as autoridades proibiram qualquer tipo de ajuda no transporte de refugiados. Felizmente isso já mudou.

Chegou finalmente a hora de pedir asilo. Moria é um campo de registo, e é por isso que todas as pessoas são para lá encaminhadas. A cada pessoa é dada uma data para uma entrevista de pedido de asilo. Para quando? Dali a um ou dois anos. E é aí que a esperança começa a esmorecer.

Durante esse tempo terão que viver no campo de refugiados de Moria, sem a possibilidade de se deslocarem para fora da ilha ou de trabalhar. Só lhes resta esperar.

E essa espera torna-se ainda mais desesperante pelas condições do campo. O ambiente é opressivo. Há uma enorme segregação entre as diversas nacionalidades no campo. Os Afegãos não se dão com os Árabes, nacionais do Congo e Camarões não simpatizam com Somalis ou Eritreus e ninguém gosta dos Curdos.

As condições são inumanas. O campo oficial parece uma prisão, anteriormente era um campo militar. É aí que mora a grande maioria dos refugiados. Ao chegar, ficam numa tenda para 200 pessoas. Depois serão, ou não, distribuídos pelos contentores do campo, as ISO Boxes, o único lugar onde ficarão mais abrigados do frio e chuva, mas que têm que partilhar, muitas vezes, com mais 25 pessoas.

Imagem: Bill Hunter

E depois existem as tendas. Devido à incapacidade do campo original de receber todas as pessoas que chegam, criou-se um novo campo adequadamente apelidado de “A Selva”. São centenas de tendas ou bocados de lona que alojam milhares de pessoas sem acesso a saneamento básico ou electricidade. Quando chove não há forma de escapar, o chão transforma-se em lama e e água entra por todos os lados.

Segurança? Não existe. Histórias de violações, agressões ou suicídios são o pão nosso de cada dia.

Comida? Duas a três horas de espera para o pequeno-almoço, o mesmo para o almoço e jantar. Recebem talvez um prato de arroz ou papas fora do prazo. Todos os membros da família têm que estar presentes para pedir comida. Resultado? Cerca de 9 horas por dia passadas à espera numa fila.

Medicamentos? “Não temos, bebe água”

Saneamento? Uma casa de banho para 70 pessoas e um duche para 80.

90€ por mês. É quanto cada refugiado recebe por mês quando vive no campo de refugiados de Moria.

Como é que é possível sobreviver nestas condições? Honestamente não sei. A verdade é que cada refugiado que conheci tinha um sorriso para oferecer e assim que são postos num ambiente de conforto e segurança transformam-se. E é sobre essa transformação que vou falar no próximo post.

“Metam pessoas num ambiente de animais e transformar-se-ão em animais” foi uma das frases que mais me marcou durante a minha semana em Lesvos. Há uma urgência em devolver a dignidade a estas pessoas e dar-lhes, pelo menos, a possibilidade de fazerem algo com o seu tempo.

Existem outros campos na ilha de Lesvos, mas felizmente têm melhores condições. O de Kara Tepe, por exemplo, onde toda a gente vive em ISO Boxes e onde se limitam a alojar 1000 pessoas. Dezenas ou centenas de ONG’s trabalham arduamente para aliviar o sofrimento dos refugiados.

Imagem: Wikipedia

Por outro lado existe ainda a ilha de Samos, onde também chegam milhares de refugiados todos os anos. Aqui vivem em condições tão más ou piores que em Lesvos. Um dos principais problemas: ninguém sabe disto. Se existe uma luz ao fundo deste túnel eu não a consigo ver.

Contudo, e para aliviar um pouco a depressão que é este post, existe um “farol” sobrevive no meio da escuridão. E esse farol, senhores e senhoras, chama-se Home for All.

Alfacinha germinada e cultivada num cantinho à beira mar plantado, a Inês tem uma certa inquietação que não a deixa ficar muito tempo tempo no mesmo sítio. Fez Erasmus em Paris, trabalhou em Istambul e em Portugal, fez um mestrado em Creative Advertising em Milão e agora trabalha no Reino Unido. Viajar, criatividade, cozinhar, dançar e ler são algumas das suas paixões. A combinação de algumas delas deu origem a este blog, o Mudanças Constantes. Bem-vindos!

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