O percurso de Mestia até Ushguli é o santo graal da caminhada na Geórgia. 62 quilómetros de trilho, que passam por aldeias isoladas, glaciares gigantes, vales, rios e montanhas.
A caminhada pode ser feita ao ritmo que quiseres, há guesthouses espalhadas por toda a parte. A maioria das pessoas demora cerca de quatro dias. Nós fizemos em dois dias e meio.
A melhor dica que posso dar a quem queira fazer este percurso é: fá-lo ao contrário! Juro que não percebo porque é que 95% das pessoas decide fazer Mestia – Ushguli em vez de Ushguli – Mestia. São menos 500 metros de elevação e apesar de ter uma ou outra subida mais intensa, não se compara às subidas (muitas delas bem chatas) da “direcção oficial”.
Assim sendo, aqui fica o relato dos nossos dias pelos píncaros do Cáucaso.
Dia 0.5: Ushguli a Lalkhori (Iprali)
13.5km em três horas e trinta
Saímos de Kutaisi às seis e pouco da manhã. Tínhamos um longo dia de viagem pela frente. Quatro horas de carro até Mestia, uma hora de táxi até Ushguli e três horas de caminhada de Ushguli até Lalkhori.
A estrada começa a transformar-se à medida que nos vamos aproximando de Svaneti. As planícies dão lugar às montanhas e nós transformamo-nos num pequeno pontinho na imensidão da paisagem.
Há vacas na estrada e o acesso à rede movel desaparece.
Chegados a Mestia, comemos os nossos lanchinhos pré-preparados agarrámos nas mochilas que tinham só o essencial para os próximos dias. Afinal, íamos ter de as carregar durante 60 quilómetros.
Com algum esforço, lá encontrámos o nosso motorista, que falava cerca de cinco palavras de inglês, e começámos a viagem até Ushguli. Durante aquela hora, embrenhámo-nos ainda mais pelas montanhas e chegámos àquela que é certamente uma das aldeias mais panorâmicas do mundo.
Mas não nos podíamos desleixar e começar a tirar fotografias a tudo o que nos rodeava. Tínhamos que chegar à nossa guesthouse antes do anoitecer! Com poucas subidas e descidas, este troço fez-se facilmente e em três horas e meia, incluindo algumas paragens curtas, estávamos na Betegi Guest House. Uma das minhas partes preferidas destes dias de caminhada é o sentimento de dever cumprido, seguido de um duche e de uma cerveja e snacks enquanto se espera pela chamada para o jantar! Sabendo que no dia seguinte faremos tudo outra vez.
Dia 1.5: Iprari a Adishi
21km em sete horas e quinze
Neste dia obriguei os meus amigos caminhantes a sair às seis da manhã. Não como forma de tortura, mas porque a previsão do tempo dava chuva para a tarde e por isso o objectivo era chegar antes de ficarmos ensopados.
As primeiras horas deste dia foram quase a subir, felizmente uma subida gradual onde nos aproximávamos lentamente da vista mais épica da caminhada: o Chkhunderi Pass. No topo somos confrontados com uma massa de gelo gigante que trepa pela montanha acima. Aqui estamos rodeados por alguns dos maiores picos de Geórgia.
Antes de seguires para baixo, para Adishi, há um pequeno “detour” à direita que continua a subir e que te leva a um ponto onde vais encontrar aquela que é, na minha opinião, a vista mais bonita da Geórgia. O lugar ideal para parar e recuperar as forças enquanto se absorve a magnitude da paisagem.
A partir daí é sempre a descer e foi a primeira vez que ficámos mesmo satisfeitos por termos escolhido fazer o caminho ao contrário. No sentido contrário vinham muitos caminhantes ofegantes enquanto nós seguíamos leves e frescos, aproveitando as vistas sobre o vale.
Por fim, tínhamos chegado à famosa travessia do rio. Esta travessia pode ser feita a pé ou a cavalo. Havia pessoas a fazer ambas, mas para a fazer a pé é recomendado ter sandálias e caminhada e batons de caminhada. Como não tínhamos nem um nem outro, fui negociar com os senhores da travessia.
Os preços são fixos e não há muito por onde negociar (entre 20GEL a 25GEL por pessoa). Creio que no fim nos consegui poupar cerca de sete ou dez euros, mas foi uma negociação de vinte minutos!
Já do outro lado, seguimos calmamente por um caminho sempre a direito sabendo que Adishi já não estava longe e que as nuvens negras que se aproximavam não nos iam apanhar.
Esfomeados, assim que deixámos as nossas mochilas na guesthouse, fomos procurar almoço. O melhor é ir perguntando às poucas pessoas que estão na rua, porque nem todas a guesthouses servem almoços. Lá encontrámos um pequeno café/supermercado que nos salvou com uma refeição quente.
Estava naquela hora do dia de descansar as pernas e aproveitar o silêncio de uma aldeia perdida no tempo.
Dia 2.5: Adishi a Mestia
27km em nove horas e vinte
Não vou mentir, este dia foi um esticão. Combinei dois dias de caminho num dia só e como tal, quando finalmente chegámos a Mestia, parecia que tínhamos completado uma maratona.
Mais uma vez, saímos cedo, desta vez porque tínhamos quase trinta quilómetros pela frente. Uma das coisas boas de acordar cedo é que temos o caminho só para nós durante as primeiras horas. Uma coisa má é que como ainda ninguém passou pelo caminho, levas com teias de aranha na cara.
Este dia está repleto de montanhas verdejantes, com alguns picos nevados e glaciares distantes. Acho boa ideia fazer tudo num dia, porque a nível de paisagem não varia muito e assim fica despachado!
A maioria das pessoas fica em Zhabeshi, mas como não precisávamos de parar lá continuámos por outro caminho. Problema: não há quase mais nada nas redondezas. Estávamos cansados, esfomeados e a começar a ver a nossa vida a andar para trás.
Até que passámos por uma casa que mencionava comida num pequeno cartão. Da casa saiu uma senhora com um grande sorriso que não falava inglês nenhum, mas que disse a palavra mágica: khachapuri.
Para além do khachapuri, tivemos direito a queijo, tomate, pepino, iogurte fresco e compota caseira. Foi uma das melhores refeições da minha vida. Ainda por cima num relvado, à sombra, num vale com uma vista linda para as montanhas.
A parte mais tortuosa de toda a caminhada ainda estava para vir, a subida final, 400 metros de elevação debaixo de um sol tórrido. Eventualmente estávamos na última descida e Mestia cada vez mais perto. Tínhamos cumprido o nosso objectivo!
De volta ao centro, comprámos gelados e seguimos até ao nosso alojamento. Era fora do centro, mas tinha reviews tão boas que parecia valer a pena. E valeu mesmo! Os donos eram super simpáticos, a comida absolutamente deliciosa e a localização perfeita. Precisas é de ter um 4×4 para lá chegar ou acordar com eles para tratarem do transporte. Estávamos prontos para o nosso merecido descanso.
Dia Extra: Cascatas e Glaciares
O dia de descanso foi mais lento, mas mesmo assim, repleto de lugares bonitos. Fizemos caminhadas curtas.
Shdugra Waterfall: a maior cascata da Geórgia. Este percurso pode continuar até um glaciar, mas nós fizemos só cerca de uma hora ou uma hora e meia para cada lado para ver a cascata. O trilho é fácil, só tem uma subida no final e está bem marcado.
Chalaadi Glacier: Esta é uma caminhada muito descontraída, especialmente se não perderes o rasto ao caminho como nós. Penso que uma pequena parte do trilho era um pouco enganadora porque o nível da água estava alto e acabámos por nos meter por uns caminhos um pouco loucos antes de encontrarmos novamente o rumo. A volta foi muito mais fácil, nem sei como nos enganámos! Por isso, mantem-te no trilho e consulta o GPS se necessário!
O fim do passeio acaba mesmo em frente a um glaciar gigante!
Os nossos dias em Svaneti terminaram com uma bela refeição no nosso alojamento local com a típico vinho caseiro de oferta e o alívio de saber que a próxima caminhada ainda estava a alguns dias de distância.
Dicas rápidas
Transporte
- A forma mais rápida de chegar a Mestia é com o teu próprio veículo. Contudo, podes apanhar um comboio ou autocarro até Zugdidi e depois uma marshrutka (pequeno autocarro) até Mestia.
- Já em Mestia podes pedir ao teu alojamento para te marcar um táxi até Ushguli (que foi o que nós fizemos). O custo foi de 65€ para os três. Creio que de Ushguli para Mestia o preço standard são cerca de 15 a 20€ por pessoa.
Alojamento
- Ficámos sempre em guest houses onde jantámos por cerca de 12€ por pessoa.
- Levámos connosco alguns mantimentos para o pequeno-almoço. Saíamos sempre mais cedo do que quando o pequeno-almoço era serviço e as “lunch boxes” não costumam ser grande coisa.
- Os jantares são sempre bastante substanciais e partilhados com os outros turistas. A comida era bastante boa e variada!
- Alojamento Iprali: Recomendo! A vista era óptima e o staff simpático.
- Alojamento Adishi: Não era mau, mas nada de especial. Fomos pelo preço.
- Alojamento Mestia: Adorei! Voltava já!
- Nós reservámos todos os alojamentos uma ou duas semanas antes. Contudo, não me pareceu que estivesse sempre tudo cheio, mesmo em Agosto. Talvez em 2023 não tenha sido um ano muito popular por causa da guerra com a Ucrânia, mas parece-me que vais sempre encontrar alojamento.
Dinheiro
- Não existem multibancos depois de Mestia, tudo é pago com dinheiro, por isso leva o suficiente. Talvez isto mude eventualmente, mas fica a dica!
Outras dicas
- Podes deixar a bagagem que não precisas em Mestia.
- O tempo nas montanhas muda rápido e muitas vezes mesmo que pareça que está a chover todos os dias, só chove/troveja durante umas horas.
- Nós fomos na segunda quinzena de Agosto e só passámos mais calor num dia. De resto estava entre 12/15 graus à noite e máximo 20/24 de dia.
Link para o trilho Ushguli-Mestia