Não querendo parecer muito ignorante, antes de ter planeado esta viagem não fazia ideia que o Irão tinha desertos. Ou pelo menos desertos que valem a pena ser vistos. Mas quando comecei a pesquisar e a delinear uma rota, esbarrei com fotografias dos Kaluts e soube imediatamente que tinha que ver aquelas paisagens ao vivo.
A trabalheira que me deu arranjar um guia!
Como alugar um carro no Irão estava fora de questão, tive que me empenhar em arranjar um guia. Encontrei vários contactos no grupo de facebook See you in Iran e mais alguns através de blogues e comecei a disparar.
Entre respostas que demoravam séculos e sugestões de itinerário que não me pareciam assim tão fantásticas lá apareceu o Mohsen. Rapidíssimo a responder, itinerário detalhado, mas com um preço que mata qualquer um. Como percebeu que para nós seria impossível pagar aquilo, disse-me que se encontrasse mais duas pessoas para os mesmos dias podíamos dividir o preço. E encontrou! Depois de muita conversa lá consegui que me sugerisse um preço decente e aceitámos.
Íamos passar dois dias a passear pelo deserto, desfiladeiros, oásis e vilas desabitadas com duas francesas.
1º dia: Um cipreste milenar, um mergulho ilegal e os magníficos Kaluts
Conhecemos as francesas, a Charlotte e Photine (xaxou e fafou ou algo assim!) na viagem de autocarro nocturna de Shiraz até Kerman. Simpatizámos logo com elas. Quando chegámos a Kerman, apanhámos um Snapp – um uber à iraniana – e fomos até casa do nosso guia que nos recebeu com um pequeno-almoço acabado de fazer. A mulher dele nunca se sentou connosco, só nos servia e incentivava-nos a comer.
A seguir chegou o nosso belo jipe, guiado pelo Mustafa. Aconchegámo-nos todos lá dentro e rumo ao deserto! A primeira paragem foi um cipreste com cerca de 800 ou 900 anos, uma árvore muito famosa e venerada na região.
A partir daqui tivemos que dizer adeus a casas de banho, água corrente e abraçar o vento e calor do deserto. Assim que o jipe começou a enveredar por trilhos sem asfalto soube que tinha feito a escolha certa em relação àquela tour. Visitámos um desfiladeiro a pé, chamado Vale das Águias, que parecia um mini Grand Canyon.
Com o calor já a apertar levaram-nos até um riacho escondido no meio de muitas canas. Quando vimos água ficámos contentíssimos. Mal podíamos esperar para nos enfiarmos lá dentro. Muito a medo, o nosso guia lá disse que como não havia ninguém podíamos tomar banho “como fazíamos lá em França”. Nem foi preciso dizer duas vezes. Enquanto ele e o Mustafa se escondiam muito bem para não ver um centímetro da nossa pele, nós banhávamo-nos livremente.
Soube-nos pela vida. Já tapadas e decentes tínhamos um almoço cozinhado pela mulher do Mohsen à nossa espera. Estufado de beringela com carne de camelo. Que pitéu! Só faltava mesmo a bela da sesta para terminarmos a manhã em beleza.
Entretanto, estava na altura de enveredarmos pelo deserto profundo. A temperatura ia aumentando para valores que nem deviam ser permitidos e aquele riacho já parecia uma memória de um sonho longínquo.
Eventualmente começámos a ver umas formas a surgir no meio do deserto. Estávamos a aproximarmo-nos dos Kaluts. Tínhamos basicamente chegado a Marte!
Este deserto é de facto um lugar muito especial. Durante milhares de anos a erosão do vento foi moldando a rochas arenosas em diferentes formas que hoje se chamam Kaluts. Nesta região está também o Lut Desert, conhecido por ser o lugar mais quente do mundo, onde já se registaram temperaturas record de 70.7ºC. Nós felizmente ficámo-nos por 30 graus abaixo!
O Mustafa parou o carrou junto a um local onde se podiam ver os restos de uma fogueira e disse “bem-vindos à minha casa”. Era alí que íamos pernoitar.
Infelizmente não tivemos muita sorte com o tempo porque com o vento levantou imensa poeira e tornou-se impossível de ver estrelas, nascer do sol e, para mim, até dormir (acabei a dormir no carro!). Mas a paisagem e a sensação de estarmos completamente desconectados do mundo fizeram com que valesse a pena. Isso e o maravilhoso jantar de kebab!
2º dia: Oásis e os direitos das mulheres
Depois de um pequeno-almoço temperado com pó e areia conduzimos durante o que pareceram horas intermináveis pelo deserto parando só para ver umas pequenas dunas bem fotogénicas.
Só nos faltava a última paragem: o tão prometido oásis. É incrível como durante quilómetros e quilómetros não se vê mais do que rochas e areias e depois, do nada, existe vegetação, palmeiras e vida. Estávamos em Shahdad, uma vila onde surpreendentemente ainda vivem pessoas e onde existem estradas alcatroadas e tudo!
Até ao oásis há uma pequena caminhada de 15 minutos onde tens que abraçar a pequena cabra montesa que há dentro de ti. A cascata e lagoa que se formam no meio daquele desfiladeiro são indiscutivelmente lindíssimas.
Mas esta experiência deixou-me memórias agridoces. Enquanto os homens podiam mergulhar no oásis de calções de banho e nada mais, tal como fazemos na Europa, as mulheres tinham que ir completamente vestidas, incluindo véu. Vimos uma ou duas sem o véu ao que o nosso guia respondeu “não devem fazer o mesmo, é ilegal”.
E portanto, ali estavam a maioria das mulheres, sentadas cá fora, a olhar com uma expressão vazia para os homens que se divertiam livremente dentro de água. Nadavam, brincavam e até dançavam, algo que também é ilegal. Eu não tive “coragem” de entrar. A última coisa que me apetecia era ter roupas ensopadas dos pés à cabeça só porque sim. E a parte mais triste é que isto foi um dia das nossas vidas (minha e das francesas), mas são todos os dias da vida das mulheres iranianas. Espero muito sinceramente que as coisas mudem radicalmente para estas mulheres em breve.
Com mais um almoço delicioso no bucho e uma power nap fomos visitar as ruínas da antiga cidade de Shahdad, destruída por um terramoto há 40 anos atrás. Uma verdadeira cidade do deserto com casas feitas a partir de terra e feno.
E foi assim que chegámos ao fim da nossa aventura do deserto. Apesar do nosso guia ser um pouco conservador acho que foi uma oportunidade incrível para falar com alguém que não é um “jovem millennial” que quer uma revolução já e perceber o outro lado da moeda. Afinal, viajar é isso.
Quando chegámos ao nosso hostel ficámos encantados com o luxo de termos uma sanita e um duche para tirarmos os quilos de pó que tínhamos em cima! Afinal, viajar é isso. 😉
Contacto do guia
Nome: Mohsen
Whatsapp: +98 913 387 0492
Custo: 160€ por pessoa. Tudo incluído.
3 Comments
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Luis Cordeiro
Que artigo maravilhoso, fez-me lembrar algo parecido que fiz pela Tunisia, que deixou grande saudades. Gostei muito da página que vou seguir com muito interesse.
Inês Amaral
Obrigada Luis!!! Foi de facto um dos lugares mais especiais que já visitei 😀 lindo!
A Tunísia ainda hei-de visitar 😉