Durante um ano vivi e trabalhei em Istambul o que me deu a oportunidade de compreender um bocadinho desta cidade indefinível.
Primeiro, Istambul é fusão. De religiões, culturas, opiniões e personalidades. É Europa e Ásia. É modernidade e tradição. É ocidente e oriente.
É o ezan da Hagia Sophia e Mesquita Sultanahmet a ecoar numa praça com milhares de anos e as discotecas de elite de Örtakoy. São os pescadores da ponte Galata, as centenas de minaretes no horizonte e os arranha-céus de Levent cheios de homens de negócios.
É os bares, restaurantes e os três milhões de pessoas que passam em Taksim todos os dias e os hijab e niqab de Fatih.
É a viagem de barco de 20 minutos que nos leva da Europa para a Ásia. É o por do sol visto do porto de Kadikoy. É a Maiden’s Tower rodeada pelo grito das gaivotas e fustigada pelo vento.
É a loucura de viver com mais 18 milhões de pessoas que se encontram todas no mercado de Eminonu aos domingos.
Istambul é a doçura da Baklava e a amargura de ameixas verdes. É kokoreç, durum e doner kebabs e todas as comidas de rua a escorrer de gordura. É sumo de romã, sandes de anchova pescada há 5 minutos no Bosphorus e o melhor pequeno-almoço (Kahvalti) do mundo inteiro.
Istambul também é refugiados sírios nas escadas do metro e à porta dos palácios mais importantes a implorar por dinheiro. É só um terço das mulheres sair para trabalhar. É desigualdade de género, olhares sufocantes e piropos felizmente imperceptíveis.
É o segundo pior trânsito do mundo, só tolerável pela música aos altos berros e pelos condutores que saem para dançar na estrada enquanto esperam que as filas movam. É andar em contramão de mota para chegar mais rápido.
É procurar um lugar sossegado para passar o fim-de-semana depois de uma semana de caos e encontrar Bebek, o parque Yildiz, as ilhas e o parque Emirgan.
Istambul é ter a capital de impérios aos nossos pés, é subir à Torre de Galata e pensar nos milhares de anos de história, reis e sultões que passaram por aquela cidade. É ver tudo isto, todos os dias a caminho do trabalho, e não perceber a sorte que temos. É a riqueza de Dolmabahce ou Topkapi e a simplicidade de Besiktas.
É o labirinto de ruas e vendedores impacientes do Grande Bazar, com dezenas de ruas cheias de candeeiros coloridos, malas tradicionais e muito ouro. É um número interminável de gatos na rua mimados e alimentados pelos habitantes da cidade.
É ter pessoas de 20 e tal anos com licenciaturas a apoiar o maior ditador que a Europa viu nos últimos anos e famílias com crianças a participarem em protestos. É um potencial imenso de crescimento e progresso, pessoas amáveis e hospitaleiras e um regime que está a destruir tudo o que foi atingido até agora.
Na verdade, não há nada que Istambul não seja e isso reflecte-se nos Turcos e na maneira como se relacionam e comportam. Istambul é contraste. Sempre foi e sempre será.
E tenho tantas saudades!