Wales

Pembrokeshire: a costa sul de Gales com um travo italiano

Pembrokeshire foi mais um projecto que nasceu durante o lockdown. Quis o destino que depois de um ano a viver em Itália onde fiz poucos ou nenhuns amigos italianos, os italianos aparecessem agora na minha vida que nem uns cogumelos selvagens.

Os italianos são uma espécie especial de emigrante: adoram rodear-se de conterrâneos. Criam grupos de Facebook, Meet-Ups e tentam nunca se afastar muito do que lhes é familiar. Afinal, em Itália é que é bom e eu estou convencida que eles acham que sou italiana, mas com um sotaque esquisito.

Os consecutivos lockdowns ingleses aproximaram-me da minha colega de casa (italiana) e consequentemente de todos os outros italianos que vêm por arrasto. Foi durante os meses mais negros da pandemia, quando a sanidade mental de todos foi posta em causa, que este grupo que se formou quase por necessidade, se tornou num verdadeiro salva vidas.

Entre “ajuntamentos” mais ou menos legais, era ali que encontrávamos algum alento e esquecíamos o quão cinzentas as nossas vidas se tinham tornado. Foi então que quando se começou a avistar a luz ao fundo do túnel combinámos que iríamos fazer uma viagem juntos: das nossas casas estávamos nós fartos!

Lancei a ideia de irmos até ao sudoeste do país de Gales, passear pelo Pembrokeshire Coast National Park. O plano passou com unanimidade absoluta, mas claro que eles não faziam ideia do que iam ver, só queriam ir de férias. Numa manhã particularmente chuvosa, saímos em direcção a Wales, ao som de heavy metal e entusiasmados pela perspectiva de uma primeira aventura juntos.

Em quatro dias vimos imensos sítios bonitos – organizados num detalhado itinerário executado com uma precisão quase militar – que vou tentar fazer uma versão condensada de tudo se não nunca mais saímos daqui!

Capelas à beira mar e vida selvagem

Quando pensamos nos documentários do Sir David Attenborough sobre a vida selvagem, normalmente a savana e o Ártico vêm-nos primeiro à cabeça do que o País de Gales. Contudo, as Elegug Stacks na costa de Pembrokeshire são um verdadeiro espectáculo de passarocos, digno da narração de um Sir! Todos os anos milhares de guillemots e razorbills (não consegui encontrar os nomes em português) escolhem estes dois rochedos saídos do mar como casa para pescar e criar os seus pequenitos durante os meses de primavera e verão. Foi um turbilhão visual e olfativo que nos apanhou de surpresa, mas uma surpresa muito boa.

Como se não bastasse, do lado esquerdo e direito das Elegug Stacks estão diversas formações rochosas fascinantes, incluindo a Green Bridge, um arco formado pela água, vento e tempo e o Caldeirão (The Cauldron).

Ao virar da esquina destas maravilhas naturais, está a Saint Govan’s Chapel que foi um dos lugares que mais gostei de visitar este ano. Escondida no meio das rochas e acessível apenas através de uns degraus inclinados em direcção ao mar, está uma pequena capela que mais uma vez nos faz questionar a sanidade mental das pessoas que construíam edifícios religiosos.

Importante: Todos estes lugares estão situados num complexo militar que às vezes fecha para treinos de tiro. Verifica aqui se os caminhos estão abertos . As direcções no Google são um bocado confusas, nós acabámos a pedir ajuda a um militar que por ali andava e que entretanto deve ter sido promovido a consultor turístico.

As vilas mais catitas: Tenby, Solva e St. Davis

Zonas costeiras bonitas normalmente dão aso a vilas e aldeias muito pitorescas. Tenby, Solva e St. Davis não são excepção e são sítios perfeitos para parar e almoçar entre caminhadas.

Tenby é uma vila pescatória com várias praias de areia que num dia soalheiro até dão para pôr os pés dentro de água! Esta é uma das vilas mais populares do sul de Wales e um lugar onde vais encontrar muitos restaurantes de Fish & Chips e gelatarias para satisfazer os teus desejos gastronómicos.

Solva é uma explosão de verde tanto no mar como na terra. A minha ideia inicial era só fazer uma micro caminhada para ver as vistas, mas acabámos por fazer parte do trilho costeiro que passa por várias pequenas praias vazias. Uma paragem obrigatória! 

St. Davis não fica mesmo na costa, e na verdade é a cidade mais pequena do Reino Unido e não uma vila, mas é definitivamente muito catita! Aqui há pubs,  uma catedral do século XII e as ruínas do “palácio do bispo”. Parece que no século XII o papa proclamou “duas visitas a St. Davis são o mesmo que uma visita a Roma” e a partir daí St. Davis tornou-se num popular lugar de peregrinação. Cheira-me a suborno por parte do governo ou turismo local, mas sempre fica mais em conta que atravessar a Europa…

Pub recomendado: The Bishops (em época alta convém marcar mesa)

Caminhadas costeiras para todos os gostos

Com 269 quilómetros de trilhos para caminhantes que cobrem a costa de Pembrokshire de lés a lés, o que não faltam são passeios à beira mar e à beira precipício. O único inconveniente destes caminhos é que não são circulares e tudo o que andas “para lá” também tens que andar “para cá”.

Estas foram as caminhadas que mais me encheram a alma durante a viagem:

Barafundle Bay Beach

Águas e colinas verdes, um longo areal e falésias até perder de vista. Tudo isto, emoldurado por uma parede de pedra em ruínas, torna a Barafundle Bay Beach numa das praias mais bonitas do UK. A partir das 17:30, o parque de estacionamento que fica a dez minutos a pé da praia é gratuito, o que dá muito jeito para quem só quer ir passear. Afinal, é raro o dia no Reino Unido em que dá para fazer praia a sério!

Marloes Sands

Esta pode não ser a melhor praia de Wales, mas é definitivamente uma das melhores caminhadas que podes fazer em Pembrokshire. Horas depois de ter obrigado os meus amigos a acordar às sete da manhã para aproveitarmos cada segundo do dia, foi na praia de Marloes Sands, já com uma caminhada pelas suas falésias avermelhadas feita, que assentámos para degustar as sandes de frittata gourmet que um dos italianos tinha preparado. Não há como escapar aos exigentes padrões gastronómicos italianos que não deixam nenhuma refeição ao acaso. Melhor para mim!

Aqui fica uma ideia para uma caminhada circular na península de Marloes.

Saint David’s Head

Parece que obrigar italianos a caminhar mais do que cinco quilómetros num dia lhes dá cabo das perninhas. Por isso, quando parámos na praia de Whitesands Bay para iniciar a última caminhada do dia, tive três desistências de uns marmanjos que “estavam cansados”.

Eu e os sobreviventes lá fomos para mais uma dose de mar, rochas e vento que não desapontaram. Ainda no início da caminhada vimos um cão a nadar um pouco longe da costa. Segundos depois o cão desapareceu e ficámos todos petrificados a achar que tínhamos acabado de testemunhar um cão a afogar-se. Quando emergiu outra vez, talvez um minuto depois, apercebemos que era uma foca e não um cão! Por isso, se estiveres em Wales não fiques em pânico quando vires cães a afogarem-se, podem ser focas…

A Whitesands Bay deu-nos mais uma surpresa: uma escavação de esqueletos com mais de mil anos, descobertos numa capela também ela milenar. Nunca tinha visto um esqueleto sem ser em museus e foi super interessante ver uma escavação arqueológica ao vivo! Imagens da escavação aqui.

Blue Lagoon & Traeth Llyfn

De pedreira de ardósia a lagoa acidental, a Blue Lagoon tem para oferecer a cor de água mais azul de Gales. Nesta zona, há imensas oportunidades de coasteering, uma mistura de escalada, saltar de penhascos e natação em águas abertas. Não sei quem é que no seu perfeito juízo decide fazer isto com um vento cortante e um frio do caraças, mas a verdade é que havia grupos de gente com o termostato avariado a fazer coasteering na Blue Lagoon.

Nós, por outro lado, andámos a desafiar a gravidade com a ajuda do vento e a descobrir praias que nem faziam parte do meu itinerário. Senti-me orgulhosa dos meus pequenos!

Noites sinfónicas e flexíveis

Claro que o melhor de viajar com amigos são as parvoíces que se dizem e fazem. Não sei bem como, mas no nosso pequeno grupo há um guitarrista, um baterista e um que arranha a guitarra também. Calhou bem ficarmos numa casa no meio do nada, sem vizinhos, o que nos deixou à vontade para cantar, tocar e dançar sem inibições.

Entre um risotto de alheira e um bacalhau à brás também nos aventurámos num renhido jogo de twister para nos consolarmos do resultado do Portugal x Alemanha no Euro.

Não sei se mais alguma vez os vou convencer a ir passear comigo outra vez, mas embora estafados, parece que o balanço foi positivo! 

Alfacinha germinada e cultivada num cantinho à beira mar plantado, a Inês tem uma certa inquietação que não a deixa ficar muito tempo tempo no mesmo sítio. Fez Erasmus em Paris, trabalhou em Istambul e em Portugal, fez um mestrado em Creative Advertising em Milão e agora trabalha no Reino Unido. Viajar, criatividade, cozinhar, dançar e ler são algumas das suas paixões. A combinação de algumas delas deu origem a este blog, o Mudanças Constantes. Bem-vindos!

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